domingo, 14 de setembro de 2008

Até a volta

Maria é muito sonhadora. Vive no mundo da lua, pulando de nuvem em nuvem, imaginando e planejando cada segundo de sua vida.
Quantas vezes alguém precisava lhe dar um tapinha nas costas para ela voltar a Terra, ou ela se assustava com o barulho do telefone. Só que dessa vez era ele, aquele homem que ela conhecera de forma inusitada e sempre tão misterioso.

Impressionante como cada um de seus poros se arrepiava e como seu coração acelerava ao escutar aquela voz dura e ao mesmo tempo doce do outro lado da linha. Por que às vezes tudo se camufla e se embaralha quando os sentimentos começam a vir à tona? Por que as pessoas se seguram e se fecham em suas almas, como se quisessem se enjaular como forma de proteção, daquele monstro que vem em sua direção às pressas, mas que te devora pouco a pouco? Por que, meu Deus, as pessoas têm medo de amar e de entregar?

Pois era assim que Maria pensava e sentia, querendo se jogar com toda a força e dizer o quanto ela era feliz e completa quando Pedro estava ao seu lado. Porém, Pedro não dava muitas aberturas à Maria, o que a deixava insegura e calada, sem saber se ela estava sendo correspondida, mas de forma mais tímida; ou se Pedro estava usando uma máscara e brincando com seus sentimentos, o que a alertava de que um grande sofrimento estaria por vir.

É engraçado como ele repara em suas roupas, se ela cortou o cabelo, mudou a cor do esmalte ou o perfume, que sempre impregnava nas roupas e lençóis dele, e que de qualquer forma, fazia com que Maria sempre estivesse presente.

Ele ligou para dizer que estava com saudade. Assim como tantas vezes que a surpreendeu quando ela achava que ele lhe escapava pelas mãos. Mas ela não acreditava que alguém que dissesse essas coisas e mantinha contato todos os santos dias, poderia estar de brincadeira ou ser tão frio e calculista.

Saudade... Sentimento que exprime qualquer vazio e faz com que você materialize a pessoa à sua frente e logo corra para aquele abraço gostoso, onde se pode sentir o calor e a segurança de braços fortes, além do cheiro de chiclete de canela, característico de Pedro, e que Maria tanto gostava.

Mais uma vez ele a deixou nas nuvens, minutos de felicidade plena que lhe tirariam horas de sono.
Ela sentia que ele era inconstante demais, e que estava na hora de controlar seus sentimentos, seus pensamentos e impulsos, e encarar os fatos de forma mais analítica e fria, tal como resolver cálculos matemáticos. Ora, como se fosse fácil!
“Pise no freio” ou “mande-o para o Alaska”, diziam seus melhores amigos em forma de conselho, mas talvez, mesmo em tão pouco tempo de convivência, fosse tarde demais. Ela estava apaixonada, perdidamente apaixonada.

Não havia mais nada que Maria fizesse, até mesmo quando comprava roupas, livros ou sentia o cheiro de terra molhada, que não se lembrasse ou incluísse Pedro no meio. Já fazia parte do seu dia-a-dia.
Inúmeras vezes ela olhava o celular, estralava os dedos ou alisava as pontas de seus cabelos com os dedos, compulsivamente, esperando uma nova ligação, um próximo encontro.

Mas um dia, Pedro lhe ligou e apesar de coisas boas, lhe disse que aceitara a proposta de ser diretor de arte em Amsterdam. Desde então, os olhos de Maria ficam marejados, seu coração apertado, mas tão apertado que chega a lhe faltar ar, ou doer. E como seu sorriso ficou amarelo.

Quando Maria pedala – seu exercício preferido, ela faz com toda força e pique, como se quisesse por para fora de sua pele com aquele suor, todas as lembranças, toda aquela dor, todo aquele vazio.
Foi aí que sua insônia acabou, pois somente dormindo ele aparecia nos seus sonhos. Com aquele sorriso lindo que fez ela se apaixonar logo de cara e com aquela felicidade que ele sentia ao vê-la rodopiar com seu vestido florido e alças de cetim.

Somente assim Maria conseguia ter ele por algumas horas, e descobriu que mesmo tentando se segurar, já o amava. Pois não tinha como esconder o sofrimento, a dor e o medo. Mas foi o amor mais puro e sincero, que em vinte e quatros anos, Maria nunca sentira.

Mas sua pior agonia é que Pedro se foi, e ela não conseguiu descobrir quais eram suas intenções e seus verdadeiros sentimentos por ela. Ele se foi ainda envolto em sua concha, talvez por algum trauma do passado. Por isso, Maria continua a pedalar, e seu sorriso continua amarelo.

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